DIREITO À INFORMAÇÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA
Acabo de ler reportagem da revista Época que trás na capa a pergunta: “O daime provocou o crime?”
O assunto também foi capa da revista Veja, com o título “O psicótico e o daime”.
Além dessas, várias outras matérias tratam do tema, em jornais, revistas e programas televisivos. Portanto, o noticiário está transmitindo à sociedade informações de interesse público que merecem o destaque por sua importância e significado especial.
Um crime lastimável, irracional, envolvendo personalidade de todo respeito e estima em nosso país, motivou o debate e a profusão de idéias a respeito da motivação da tragédia e o contexto em que se deu.
O daime, a ayahuasca, o vegetal, o santo daime, a hoasca, são nomenclaturas hoje colocadas a público para conhecimento da sociedade brasileira, e internacional, sob as mais diversas interpretações de seus significados, por que não dizer, de forma absolutamente livre, pelos repórteres que assinam suas matérias.
A liberdade de imprensa é uma conquista do povo brasileiro que lutou bravamente para derrubar um regime ditatorial que usava a censura como um dos seus instrumentos mais cruéis de opressão. A liberdade de imprensa, como direito, não está em questão, mas, sim, o direito da sociedade a uma informação honesta, verdadeira e responsável.
O repórter Paulo Nogueira, em sua coluna “Nossas Ideias”, sob o título “O daime, o vodu e o confucionismo”, demonstra uma visão absolutamente preconceituosa, tendenciosa e ignorante sobre o assunto da religiosidade brasileira, e do mundo. Como é possível deixar sem resposta uma tão lamentável opinião e chamá-la de “nossas idéias”? Aqui cabe perfeitamente o dito: “nossas” de quem, cara pálida? E então, como garantir a resposta? Apelando para qual direito: o de imprensa ou o da informação responsável?
O assunto em pauta, o daime, bebida sagrada que é utilizada em rituais religiosos por comunidades devidamente identificadas e reconhecidas no contexto da cultura brasileira, não pode ser tratado de maneira vulgar, inconseqüente ou colocado para o julgamento da população sem o devido cuidado de apresentar o verdadeiro sentido de sua prática espiritual por aqueles que o praticam. Isso é também uma questão de direito. O direito de que os legítimos representantes de suas comunidades falem por si mesmos e não sejam suas palavras “reinterpretadas” em linguagens “corretas” e jornalísticas, porém alteradas, pela falta de conhecimento do assunto em sua essência profunda.
Não se discute pensamentos filosóficos, princípios religiosos, fundamentos doutrinários, processos de formação social, identidades, e outros temas representativos da diversidade cultural, de forma leviana, pois esse é um campo que envolve questões como discriminação racial, étnica, religiosa, social, econômica, envolve também o etnocentrismo, o radicalismo, o fundamentalismo e, em especial, o preconceito. São questões, portanto, que merecem ser tratadas com total respeito, para não se correr o risco de jogar a água do banho fora com a criança dentro.
O Daime, com os elementos de sua origem e constituição doutrinária, é um segmento religioso da cultura brasileira, fundado pelo Mestre Raimundo Irineu Serra, cujo berço está localizado no seio da floresta amazônica, Estado do Acre, reconhecido pela sociedade acreana como parte integrante de sua formação social, política e cultural. Sobre como vivem e se comportam e se identificam as comunidades que são representantes desse segmento, existem documentos, textos, obras literárias e outras formas de comunicação direta, produzidos pelos próprios membros, que poderão, sem dúvida alguma, responder ao interesse da sociedade, com os esclarecimentos possíveis. Por que possíveis? Porque não se explicam e não se entendem alguns fundamentos doutrinários e seus elementos religiosos, espirituais, experienciais, sem praticá-los e vivenciá-los em sua profundidade. Isto é o que diferencia uma religião de outra, ou seja, o seu conteúdo ritualístico, com suas práticas diferenciadas, possibilitando as diversas opções de culto religioso e garantindo o direito de escolha segundo o desejo e a necessidade de seus adeptos.
Que nos sejam permitidas notícias limpas, sem ranço, para que o direito da sociedade à informação não sofra a censura e o controle de interesses menores.
Por Keilah Diniz
Compositora e cantora
Servidora pública federal, lotada no Ministério da Cultura
segunda-feira, 29 de março de 2010
LIBERDADE DE IMPRENSA
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