Brasil poderia seguir exemplo de cidade sueca para desenvolver seu modelo de gestão de resíduos sólidos urbanos, indicam especialistas (divulgação)
Em Borås, na Suécia, a maior parte dos resíduos sólidos gerados pela população de cerca de 64 mil habitantes é reciclada, tratada biologicamente ou transformada em energia (biogás), que abastece a maioria das casas, estabelecimentos comerciais e a frota de 59 ônibus que integram o sistema de transporte público da cidade.
Em função disso, o descarte de lixo no município sueco é quase nulo, e seu sistema de produção de biogás se tornou um dos mais avançados da Europa.
“Produzimos 3 milhões de metros cúbicos de biogás a partir de resíduos sólidos. Para atender à demanda por energia, pesquisamos resíduos que possam ser incinerados e importamos lixo de outros países para alimentar o gaseificador”, disse o professor de biotecnologia da Universidade de Borås, Mohammad Taherzadeh, durante o encontro acadêmico internacional “Resíduos sólidos urbanos e seus impactos socioambientais”, realizado em 30 de março, em São Paulo.
Promovido pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Universidade de Borås, o evento reuniu pesquisadores das duas universidades e especialistas na área para discutir desafios e soluções para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, com destaque para a experiência da cidade sueca nesse sentido.
De acordo com Taherzadeh, o modelo de gestão de resíduos sólidos adotado pela cidade, que integra comunidade, governo, universidade e instituições de pesquisa, começou a ser implementado a partir de meados de 1995 e ganhou maior impulso em 2002 com o estabelecimento de uma legislação que baniu a existência de aterros sanitários nos países da União Europeia.
Para atender à legislação, a cidade implantou um sistema de coleta seletiva de lixo em que os moradores separam os resíduos em diferentes categorias e os descartam em coletores espalhados em diversos pontos na cidade.
Dos pontos de coleta, os resíduos seguem para uma usina onde são separados por um processo ótico e encaminhados para reciclagem, compostagem ou incineração.
“Começamos o projeto em escala pequena, que talvez possa ser replicada em regiões metropolitanas como a de São Paulo. Outras metrópoles mundiais, como Berlim e Estocolmo, obtiveram sucesso na eliminação de aterros sanitários. O Brasil poderia aprender com a experiência europeia para desenvolver seu próprio modelo de gestão de resíduos”, afirmou Taherzadeh.
Plano de gestão
Em dezembro de 2010, foi regulamentado o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos brasileiro, que estabelece a meta de erradicar os aterros sanitários no país até 2015 e tipifica a gestão inadequada de resíduos sólidos como crime ambiental.
Com a promulgação da lei, os especialistas presentes no evento esperam que o Brasil dê um salto em questões como a compostagem e a coleta seletiva do lixo, ainda muito incipiente no país.
De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 18% dos 5.565 municípios brasileiros têm programas de coleta seletiva de lixo. Mas não se sabe exatamente o percentual da coleta seletiva de lixo em cada um desses municípios.
“Acredito que a coleta seletiva de lixo nesses municípios não atinja 3% porque, em muitos casos, são programas pontuais realizados em escolas ou pontos de entrega voluntária, que não funcionam efetivamente e que são interrompidos quando há mudanças no governo municipal”, avaliou Gina Rizpah Besen, que defendeu uma tese de doutorado sobre esse tema na Faculdade de Saúde Publica da USP em fevereiro.
Na região metropolitana de São Paulo, que é responsável por mais de 50% do total de resíduos sólidos gerados no estado e por quase 10% do lixo produzido no país, estima-se que o percentual de coleta seletiva e reciclagem do lixo seja de apenas 1,1%.
“É um absurdo que a cidade mais importante e rica do Brasil tenha um percentual de coleta seletiva de lixo e reciclagem tão ínfimo. Isso se deve a um modelo de gestão baseado na ideia de tratar os resíduos como mercadoria, como um campo de produção de negócios, em que o mais importante é que as empresas que trabalham com lixo ganhem dinheiro. Se tiver reciclagem, terá menos lixo e menor será o lucro das empresas”, disse Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Nesse sentido, para Raquel, que é relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos humanos de moradia adequada, a questão do tratamento dos resíduos sólidos urbanos no Brasil não é de natureza tecnológica ou financeira, mas uma questão de opção política.
“Nós teríamos, claramente, condições de realizar a reciclagem e reaproveitamento do lixo, mas não estamos fazendo isso por incapacidade técnica ou de gestão e sim por uma opção política que prefere tratar o lixo como uma fonte de negócios”, afirmou.
A pesquisadora também chamou a atenção para o fato de que, apesar de estar claro que não será possível viver, em escala global, com uma quantidade de produtos tão gigantesca como a que a humanidade está consumindo atualmente, as políticas de gestão de resíduos sólidos no Brasil não tratam da redução do consumo.
“O modelo de redução da pobreza adotado pelo Brasil hoje é por meio da expansão da capacidade de consumo, ou seja: integrar a população ao mercado para que elas possam cada vez mais comprar objetos. E como esses objetos serão tratados depois de descartados não é visto como um problema, mas como um campo de geração de negócios”, disse.
Na avaliação de Raquel, os chamados produtos verdes ou reciclados, que surgiram como alternativas à redução da produção de resíduos, agravaram a situação na medida em que se tornaram novas categorias de produtos que se somam às outras. “São mais produtos para ir para o lixo”, disse.
Incineração
Uma das alternativas tecnológicas para diminuir o volume de resíduos sólidos urbanos apresentada pelos participantes do evento foi a incineração em gaseificadores para transformá-los em energia, como é feito em Borås.
No Brasil, a tecnologia sofre resistência porque as primeiras plantas de incineração instaladas em estados como de São Paulo apresentaram problemas, entre os quais a produção de compostos perigosos como as dioxinas, além de gases de efeito estufa.
Entretanto, de acordo com José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, grande parte desses problemas técnicos já foi resolvida.
“Até então, não se sabia tratar e manipular o material orgânico dos resíduos sólidos para transformá-lo em combustível fóssil. Mas, hoje, essa tecnologia já está bem desenvolvida e poderia ser utilizada para transformar a matéria orgânica do lixo brasileiro, que é maior do que em outros países, em energia renovável e alternativa ao petróleo”, destacou.
Fonte: Agência FAPESP
Por Mônica Pileggi
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