Eu tava lá no dia das muié...
Enquanto houver cercas e fome
amolarei meus versos
para que sangrem a jugular
do latifúndio!
Meu nome é Maria da Luz, tenho 57 anos e derne que me entendo por gente que trabaio na roça. Me casei com 14 anos e tenho 11 filhos criados e 5 percas. Os vivo tudim criado na roça, comendo do bom e do mió que um pobe pode cumer, de abróba a galinha e pexe pescado no açude tudo eu pude dá pra eles.
Teve um tempo que tivemo que sair da onde nós morava mode que apareceu um home muito do rico lá, dizeno que a terra que nós morava e que foi do meu avô, era dele.
Era dele mode que ele tinha decumento.
Era dele mode que ele tinha dinheiro.
Era dele mode que ele dizia que era.
Era dele?
Era não minha fia!
Que nós tudim que morava lá sabia que num era. Mas pobe nesse país num tem vez. Nós saiu com uma mão na frente e outra atrás. Viemo morar na Açailândia, tem uns 30 ano isso, inda no comecim da cidade. Passemo tudo quanto é nicissidade que uma pessoa pode passar.
Depois se passaro os anos e nós fomo parar no assentamento Califórnia, adonde nós com muita peleja conseguimo um pedacim de terra de novo, mode voltar a viver.
Mas num é disso que eu quero falar aqui não minha fia. Eu quero falar é do acontecido no dia 08 de março. O dia das mulher no Assentamento Califórnia. Apois eu tava lá fia. Tava mermo e eu ia de novo se fosse priciso. Ia sim.
Mode que só quem veve lá é que sabe o que é drumir e acordar com a fumaça no zóio.
Só quem mora lá sabe o que é ter um fio intoxicado com os pulmão arrebentado de fumaça.
Só quem veve lá minha fia é que sabe o que é ver homi, minino e muié adoentado mode uma fumaça que impistia tudo.
O eucalipto minha fia, veio foi que nem uma praga pra nossa vida. Ele acaba com os vivente da natureza. Os bicho, as água e nós. E num é dizer que é só nós de lá não. As pessoa de Açailandia, do Trecho Seco e inté da Imperatriz, eu aquerdito que tão seno prejudicada.
Óia fia eu tou é muito valente com esse negoço dos jornal dizer que nós semos bagunceiro, vândio e uma ruma de nome que nem sei falar.
Semo não.
Que num é nós que invade os pulmão dos outro sem permissão pra mode dexar as pessoa doente. Eles tem dinhero por que diacho é que num inventa uma máquina de segurar fumaça, invés de jogar na cara da gente?
Eu tava lá no dia das muié.
Entrei com gosto naquele lugar maldito. Entrei sim de foice na mão e digo que nós cortou a lona que cobria aquela montanha de carvão.
Que nós botou fogo numas tora de eucalipto e até cortemo umas cinco árvore e levemo pro meio da pista.
E eu percuro: Se num fosse assim, nós tinha sido ouvido? Tinha não. Que lá, nos home grande, tá é intupido de papel, de decumento que nós manda dizeno o que se passa e inté agora num fizero nada. E nós tem que esperar? Esperar o que? E por quem merirmãzinha?
Agora vem eles dizer que nós é bandido. Nós bandido? Semo não fia. Nós só quer viver com saúde. Ter nosso canto pra mode prantar e cuiê. Eles pranta eucalipto que destrói a natureza, e nós que pranta arroz, feijão, mio e legume é que semo bandido?
Eu sô avó de neto e neta e ando mermo é cansada de ver os grande aparecer na televisão dizeno que nós é isso e aquilo e por isso tou aqui desabafano com você, mode que eu ouvir você falano puesia e cantano coisa nossa e pensei que você pudesse, assuntano eu, fazer uns verso dessa históra.
Será que isso dá puesia? Mas se isso der, vai ser bem triste, ninguém vai querer ler. Umeno os grande num vão querer não. Mas dextá que um dia nós vamo ser ouvido, um dia os pessoal vai dá razão pra nós.
Eu só quiria que um deputado ou intão o governador viesse aqui passar uns dia mais nós, mode ver se eles entendiam o que eu to falano pra tu minha fia.
Que só quem sabe os probrema de nós é nós que passa. E eu num tenho mais nada pa falar não. Quer dizer, ter eu tenho mas...tô muito mocionada e zangada e triste tumém. Nosso povo num merece isso não fia, merece não.
(e as lágrimas verteram lavando aquele rosto sofrido e os meus impotentes versos...)
Depoimento colhido em 10 de março de 2008, por Lília Diniz
INFORME:
Cerca de 1200 Manifestantes da Via Campesina, MST e movimentos urbanos, se uniram aos trabalhadores rurais do Assentamento Califórnia e ocuparam uma carvoaria industrial de propriedade da Vale, localizada a menos de 800 metros do Assentamento.
A ação foi em protesto contra a atuação irresponsável da empresa, que através desta carvoaria despeja de forma desumana, toneladas de fumaça diariamente no Assentamento. Também como forma de chamar atenção das autoridades responsáveis, que até o momento e apesar das insistentes solicitações e denúncias, não haviam se manifestados a respeito da situação.
Para se ter uma idéia das dimensões da carvoaria, a mesmas possui 74 fornos industriais, com capacidade para produzir 104 m3 de carvão diários, que funcionam 24 horas por dia.
Em nota à imprensa, a Vale qualificou o ato dos manifestantes como “criminoso e de extrema violência”. Não verificando ela, que criminoso e violento é o ato de despejar toneladas de fumaça tóxica sobre os moradores da região.